Periferias como lugares de (re)existência das mulheres: do corpo à cidade

Autores

  • Tuize S. Rovere Universidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Pelotas, RS, Brasil https://orcid.org/0000-0001-9403-9747

DOI:

https://doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur.202518

Palavras-chave:

Análise das Políticas Públicas, Desigualdade e Segregação Socioespacial, Direito à Cidade, Urbanismo Feminista, Mulheres e Cidades, Política Pública Habitacional Urbana

Resumo

O artigo trata de como mulheres moradoras das periferias empobrecidas e menos providas de serviços públicos de apoio ao trabalho de cuidado desenvolvem suas (re)existências cotidianas diante dos processos de espoliação impostos aos seus corpos pela vulnerabilidade socioeconômica e pela política pública habitacional. A pesquisa enfatiza a intersecção entre gênero, raça e classe no acesso ao direito à cidade e na construção do espaço urbano, destacando as formas como essas mulheres atuam para atenuar os efeitos do trabalho precarizado, da subtração de direitos básicos, da sobrecarga do trabalho de cuidados e da habitação em lugares segregados socioespacialmente. É abordado o modo paradoxal de como a política pública habitacional se comporta como meio de acesso à moradia e, ao mesmo tempo, como mais um mecanismo de controle dos corpos femininos nos territórios, restringindo sua autonomia e mobilidade nas cidades. O estudo se aproxima da abordagem etnográfica, contando com a observação participante, as caminhadas pelo bairro, a roda de conversa entre mulheres e os cadernos de campo como procedimentos metodológicos para melhor compreender as formas cotidianas de (re)existir e fazer a cidade das moradoras do Residencial Viver Bem, na periferia sul de Santa Cruz do Sul (RS). São abordadas, ainda, as maneiras como essas mulheres constroem redes de ajuda entre si como estratégia de sobrevivência, desafiando a lógica disciplinadora do Estado. A análise se dá sob perspectivas feministas e decoloniais sobre as cidades e o espaço urbano, trazendo uma crítica à noção universalista do direito à cidade, defendendo a importância de reconhecer os modos plurais de habitar. O artigo leva à reflexão sobre como as cidades devem ser pensadas a partir da materialidade dos corpos nos territórios em que habitam, por meio do conhecimento das suas experiências concretas, superando abordagens normativas que perpetuam desigualdades.

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Biografia do Autor

Tuize S. Rovere, Universidade Federal de Pelotas, Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Pelotas, RS, Brasil

Doutora e mestra em Planejamento Urbano e Regional/Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc, 2018, 2023), com tese premiada pelo Prêmio CAPES de Tese 2024. Atualmente cursa estágio pós-doutoral no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (PPGRAU/UFPel) com bolsa CAPES de pós-doutoramento. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc, 2009). Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pelotas (FAUrb/UFPel, 2005). Pesquisadora membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Democracia e Políticas Públicas da Unisc (Gedepp) e do Gedepp – CNPq, do Observatório dos Conflitos da Cidade (UCPel) – CNPq e do Grupo de Pesquisa e Estudos Urbanos e Regionais (Gepeur/Unisc) – CNPq. Desenvolve pesquisa na área de urbanismo feminista e decolonial, redes de cuidado, biopolítica, políticas habitacionais e a relação das mulheres com a cidade.

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Publicado

11-04-2025

Como Citar

Rovere, T. S. (2025). Periferias como lugares de (re)existência das mulheres: do corpo à cidade . Revista Brasileira De Estudos Urbanos E Regionais, 27(1). https://doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur.202518